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2011-02-13

Direito de Autor e MinC: Pingos nos Is

Acho que estamos num ponto importante agora para apontar algumas falácias que tem sido colocadas pelos defensores do "direito autoral tradicional" - como era até a última década do séc. XX.
Os detratadores das reformas propostas pelo Ministério da Cultura anterior não tem economizado palavras para encher de falácias seus argumentos - e fazer parecer que as modificações que queremos vão matar todos os autores de fome, e dar conteúdo de graça para os "gigantes da indústria da mídia".

Fica claro que não é possível escrever este texto sem colocar minha própria opinião de como devem ser governados os direitos autorais - mas vamos em frente.

Primeiro: as demandas não são pelo "fim" dos direitos autorais. Quando se lê um texto desses apoiados pelo pessoal que hora (fevereiro de 2011) ocupa o Ministério da Cultura - doravante referidos como "situação do MinC" , tem se a impressão de que a direção da reforma da Lei de Direitos Autorais era no sentido de anular completamente o direito de autor. Isso é uma inverdade, uma falácia de exagero para tentar angariar a simpatia do público leigo. Alias, que o que escrevo não fique no ar: com uma consulta rápida na rede, temos o tipo exato de falácia: "Falácia do homem de palha" - consistindo em deturpar as idéias do seu opositor, de forma que elas pareçam, fracas- confirmar em [1] e [2]

O que estava proposto, com grande detalhe na proposta de alteração da LDA - e que este autor defende, talvez em maior grau, trata-se de um _enfraquecimento_ dos direitos autorais, de forma a torna-los compatíveis com as atividades cotidianas da sociedade, e garantir maiores ganhos em termos culturais e mesmo econômicos para a sociedade como um todo - incluindo os autores.

Os argumentos da "situação do MinC" tentam colocar que é senso comum que um autor deve ter direito absoluto sobre suas obras - e que assim pode garantir seus meios de subsistência, (ou citando o Menestrel do Brasil, "garantir seu Caviar") através de uma considerada justa - remuneração a cada reprodução ou exposição de uma obra.

Na prática, o que temos é que autores relativamente desconhecidos não tem praticamente chance de "quebrarem a barreira" de lucratividade num modelo centralizado de produção de bens culturais (tais como edição de livros ou gravação de discos). Nesse último caso, é, pelo contrário, bem sabido que apenas artistas escolhidos para serem apoiados pelas gravadoras pelas técnicas de "jabá" - marketing ilícito - é que conseguem se tornar populares.

Por outro lado, frente a essa ilusão - se não for uma mentira deliberada, tem que ser uma ilusão - desta vez não é uma falácia, por que não há a tentativa de argumentação que aparente seguir uma lógica. "Os autores só ganham dinheiro se tiverem exclusividade sobre suas obras e ponto" é o argumento, temos o notável exemplo do grupo Monty Python =- pelas leis vigentes hoje - inclusive em tratados internacionais, de direitos autorais, as produções cinematográficas e para TV do grupo se mantém ainda sob copyright por décadas. No entanto, o grupo resolveu disponibilizar toda sua obra de forma gratuita num popular repositório de vídeos - e embora não tenha assumido uma licença de compartilhamento - implicitamente permitiu com esse gesto obras derivadas e compartilhamento não comercial de toda a obra - bom, com esse ato, as vendas oficiais de vídeos e DVDs do grupo teve o aumento de 230 vezes. Não está escrito errado: um aumento de 23000% nas vendas oficiais ao permitir a distribuição gratuita do conteúdo protegido, [3] atingido um poucos meses.

Agora - sempre é bom, se quisermos argumentar o direito autoral, esticando-o para um lado, ou para o outro, conhecer um pouco da história e do status atual do mesmo: Não existia copyright formal até 1710 - onde a primeira lei de copyright foi editada no reino unido - e em 1790 nos Estados Unidos. A lei de 1710 dava direitos ao autor por 21 anos sobre sua obra, e americana por 14 anos, extensíveis por mais 14 antes da entrada da obra em domínio público. [4] [5] A partir do domínio público, considera-se que a obra passa a ser patrimônio da humanidade, podendo ser impressa, adaptada, transformada em desenho animado, por quem quer que seja para quaisquer fins - comerciais ou não. É interessante notar que muitas das obras carro-chefe da Walt Disney Company tinham seu original em domínio público e foram adaptadas para longas-metragem no meio do século XX - como Branca de Neve, os três porquinhos, Cinderela, Peter Pan[6].

Bom, seguindo a história das leis de direitos autorais [5] é fácil notar que o tempo de proteção foi sendo sucessivamente prorrogado - temos as datas para os EUA em [7] - para 56 anos em 1909, 50 anos após a morte do autor em 1976, e 70 anos após a morte do autor em 1998. Em paralelo , tratados internacionais de comércio e outros de assinatura quase que obrigatória, para várias nações por questões comerciais e econômicas, acabaram expandindo e uniformizando essas mesmas leis para quase todo o mundo. Funciona assim: Você assina o tratado, ou nenhuma empresa que tenha operações nos EUA pode comercializar com você. Mas ao assinar, você se compromete a nivelar as leis de Direito de Autor do seu país com as leis dos EUA. (Essa é uma simplificação grande, mas historicamente é o que tem ocorrido até hoje).

Agora, é sabido - e amplamente discutido,que essas expansões de termos não se dão por conta dos autores - em sua maioria já falecidos, pedindo mais tempo de exclusividade. E sim por pressões lobbystas de grandes empresas detentora de direitos de algumas obras que gostariam que seus personagens e obras não entrassem em domínio público. Em particular, a extensão de 1998 se deu quando os primeiros filmes do personagem Mickey Mouse, cujos direitos estão com a Walt Disney Company de mídia que tanto construiu em cima de obras em domínio publico, estavam prestes a adentrar o domínio público [8][9].

Então, argumenta-se do lado dos defensores dessa expansão que muitos milhões foram ganhos pelas empresas privadas justamente pela preservação dos direitos dessas obras - e isso economicamente é bom. Só que como essa extensão de direitos autorais é automática e não requer nenhuma intervenção do autor ou detentores, isso implica também que todas as milhões de e obras - literárias, sonoras e vídeo - produzidas ao longo do séc. XX - via de regra até 1920 - ficam automaticamente protegidas - e não _podem_ ser reproduzidas. Isso inclui a maioria dos títulos de livros publicados -- alguns com pequena tiragem e se deteriorando rapidamente, obras de vídeo em suporte analógico, também se deteriorando - para não falar nas obras fora de catálogo a que não se pode ter acesso por aquisição legal. Todo esse acervo está se perdendo e o custo disso é certamente muitas centenas de vezes maior do que qualquer benefício que a economia possa ter por um fabricante chinês de DVDs não poder comercializar desenhos do Mickey Mouse feitos em 1920 . Mesmo por que as obras em domínio público não impedem que os atuais detentores dos direitos e publicadores -possam republicar e vender as mesmas obras em meio físico: apenas lhes retira um monopólio dado artificialmente.

A situação no séc XXI: a parte da história: vivemos num momento tecnológico, desde o final do séc. XX, em que a prática cotidiana nos leva a reproduzir obras- parcialmente ou na integra - em contradição às leis vigentes. Os defensores da "situação do MinC" estejam livres para me desmentir desde que não tenham em seu poder nenhum arquivo de música MP3 (ou OGG) que não tenha sido comprado legalmente de uma loja online - pela própria pessoa - não vale MP3 extraído de um CD, não vale MP3 "emprestado" pelo colega, não vale MP3 comprado pela filha, mas que está no som do carro _e_ no celular da filha. Vale não ter nenhum arquivo de música, nem no desktop, nem no notebook, nem no telefone, nem no pendrive, nem no som do carro. Bom -- não acontece não é? Agora, você quer continuar argumentando que o copyright bom é esse: de 70 anos pós a morte do autor, me faça um favor: pare de ler aqui, vá lá e apague seus arquivos de música. Eles são ILEGAIS pela LDA de 1998 em vigor. Isso para nos restringirmos, as músicas. Para fotografias, teríamos que ter o direito expresso _de cada fotografo_ para por uma foto na Internet (não basta ter a foto em papel -- se você a digitaliza e publica na internet, está infringindo os direitos do fotografo - o que muito provavelmente acontece com várias das fotos em [10] - as que não tem o fotografo citado explicitamente ) Em suma - a LDA de 1998, seguida ao pé da letra, é um pesadelo - um inferno na terra irrealizável - mas é o defendido cegamente pela situação do MinC, e pelos seus defensores no senso comum, que são angariados por textos entusiasmados, com falácias, inverdades e omissões da primeira a última linha.


Em próximos textos comento sobre a idéia do Creative Commons, e propostas interessantes para um copyright mais humano! Por enquanto, não deixem de ler as ligações bem documentadas da situação MinC com figuras da indústria da mídia em [11]

js
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 (Este texto está disponível sob Creative Commons Citation Needed - permissão concedida para cóṕia, modificação, redistribuição, mesmo para fins comerciais)

 [1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Falácia
[2] http://www.defnarede.com/f.html
[3] http://www.slashfilm.com/free-monty-python-videos-on-youtube-lead-to-23000-dvd-sale-increase/
[4] http://www.copyrighthistory.com/anne.html
[5] http://www.thecopyrightsite.org/history.html
[6] http://gutenberg.net.au/ebooks03/0300081h.html
[7] http://homepages.law.asu.edu/~dkarjala/OpposingCopyrightExtension/what.html
[8] http://www.fact-index.com/s/so/sonny_bono_copyright_term_extension_act.html
[9] http://www.guardian.co.uk/business/2002/feb/20/8
[10] http://www.anadehollanda.com.br/fotografias.htm
[11] http://tsavkko.blogspot.com/2011/02/ministra-ana-de-hollanda-desmascarada.html